2009-05-04

História de uma crise


Era uma vez, no país das Américas, onde os Estados se unem, uma economia que prosperava nos anos 90.
Tobias, um jovem cheio de vontade de ganhar dinheiro rapidamente, terminado o seu curso de gestão, ingressou numa empresa financeira vocacionada para os novos clientes da classe média-baixa.
Tobias tornou o acesso ao dinheiro em algo fácil, cada vez mais fácil e os seus clientes nem sequer sabiam que os juros crescem de uma forma exponencial.
Tobias tornou moda ter 4 ou 5 cartões de crédito, comprar carro novo e já agora uma ou duas casas para morar e passar férias … Ah! E já agora um pequeno crédito para essas férias.
O mercado imobiliário florescia, o endividamento aumentava e mesmo que os juros cobrados fossem altos, na conjuntura, as taxas ainda eram reduzidas.
A empresa de Tobias tinha lucros fabulosos e aguçava a cobiça da Banca tradicional que incrementou a entrada neste tipo de negócio.
Tobias tinha um irmão, 16 anos, sem rendimentos, mas a sua palavra de honra bastou para aceder a um crédito imobiliário.
A empresa financeira já vendia os seus créditos aos Bancos, que por sua vez, adiantavam capitais provenientes de outros Bancos e estes emprestavam ainda sobre cada empréstimo concedido.
O irmão de Tobias chegou mesmo a hipotecar a sua casa pela 2ª vez para adquiri um automóvel. Facilmente negociava com o seu Banco, dada a concorrência desenfreada. Afinal de contas, o imóvel que adquiriu há cerca de um ano já valia mais do dobro. A garantia era quase interminável, podia pedir mais e mais com base na sua casinha, agora casarão.
Nunca o dinheiro esteve tão barato e tão fácil. Nunca o consumo tinha crescido tanto e afinal não havia assim tantas pessoas que deixavam de pagar as suas prestações pois as suas casas eram autênticas caixas multibanco.

Depois do dia em que 2 aviões pilotados pela Al-Qaeda atingiram duas torres como se de gémeas se tratassem, bem no centro de Manhattan, o FED baixou a taxa de juro para 1%.
Se os milhares de familiares de todos aqueles que arderam no meio do pó de cimento e do aço derretido estavam desolados com a tragédia e com a insegurança pelo aparecimento de um novo terrorismo medonho, por outro lado, Tobias respirava um novo fôlego. É que a dada altura, a entidade patronal de Tobias já começava a perder algum controlo quanto ao número de pessoas que já deixavam de fazer face aos seus compromissos de crédito.
Agora, com o juro a 1%, os do país do tio Sam aproveitaram para investir em novas casas com empréstimos mais uma vez facilmente concedidos, escondendo uma vez mais a face de um Monstro chamado “Subprime”, calando-o, adormecendo-o com mais endividamento aos que as dívidas já não pagavam.

Tobias trabalhou sempre, até 2004, debaixo de uma esperança que não dependia dele, mas daqueles que deveriam pagar e fazer desaparecer a bolha financeira e imobiliária que inflamava com origem no início desta história.
Mas, da inflamação veio a inflação. Com a economia a abrandar, o FED teve que voltar a subir as taxas de juro e que subida!...
Foram prestações que mais que duplicaram, investimentos que deixaram de existir, casas a mais para vender … afinal não eram casarões, mas casinhas, barracas que já nada valiam!
Nessa altura Tobias recebia na empresa cartas de despedida, despedida dos futuros proprietários das casas que vendera e cuja hipoteca tinha mesmo que ser accionada. Essas cartas, muitas delas, vinham com recheio, um tilintar de chaves que o comprador tinha assumido já não serem dele … já não conseguia pagar aquela prestação.
A vida complicada destes cidadãos entalados entre juros, ambições desmedidas, entalava também as financeiras, Bancos, imobiliárias e empresas de construção.
A bolha rebentou, Agosto de 2007, verão quente, com Tobias despedido da empresa onde a toxicidade dos seus activos assim obrigou. Títulos e hipotecas que valiam menos de metade, ou melhor, valiam zero.
Tobias apenas assistiu à falência da sua empresa e de outra, e de mais uma, e de dois grandes Bancos financeiros, e de um todo colapso bolsista que apagou do dicionário a palavra poupança.
O verão quente de 2007 fez parar toda a economia desse país das Américas onde os Estados se uniam para o motor Mundial não parar. Mas parou, parou tudo, parou o Mundo todo porque o combustível que fez andar o motor afinal era tóxico, pois … o petróleo estava a preços nunca antes visos e uma simples greve de camionistas fazia num cantinho da Europa dois dias de puro pânico com corridas aos supermercados para apanhar o último pacote de leite, de arroz, a água … como se um cataclismo natural estivesse anunciado.

Acreditam nesta história? Não? Eu também não! Afinal de contas ela termina com tudo e todos a desconfiar uns dos outros. Até o Banco onde eu trabalho já desconfia de mim. Pudera!...Se desconfia de todos os outros Bancos e não lhes empresta mais dinheiro, como há-de confiar em mim ou no Tobias?
A crise só é crise porque pessoas como eu e como o Tobias contribuíram, acreditem que inadvertidamente, para o colapso financeiro que hoje afogou o Mundo numa crise social que esta história já não relata, pois esta não é passado nem presente, a crise social é futuro!

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